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Para Lorelay - parte I

Sabe, Loris, tenho saudades.
Daquelas, imensas, monstras e doídas, mesmo que boas. Seu pacote chegou, eu não estava. Te contei que eu botei o pé na estrada? Não como você, que é um mercúrio de asas purpurinadas. Mas como o boi que sou - também - devagar, desconfiada, ruminando - e com resignação.
E enquanto escrevo isso posso ouvir você rindo, alto e sempre. (Ainda vou bater na cabra que és, para ver correr desembestada morro abaixo. Existe essa palavra? não sei, vou deixar aí que você entende e não vai torcer o nariz de desdém se ela estiver errada).
Ando sozinha, Loris, no bom e no mal sentido. E nem para contar suas histórias eu servi ainda. Sou egoísta, sabia? Escrevo como quem olha no espelho, encadeando eu, eu, eu, eu. São pérolas em um colar de doce desespero.
Por um lado é bom encavernar, como urtigão, fingindo que eu sei das coisas, que eu não sou frágil, que eu não tenho medo, que eu resolvo tudo e posso sorrir sempre. Pq quando estou cansada, estou sozinha mesmo posso olhar para o teto sem medo que descubram a verdade. Eu ponho a armadura para sair, mas se pudesse, não saia nunca, ficava na caverna do Taliesin, deitada sobre o vidro, lembra? Você ainda tem aquele desenho? queria tanto, tanto, tanto ele aqui. Podia grudar no teto e seria a primeira coisa que eu veria, quando acordasse.
E no fim, ao sair, levei a sacola de pedras que já tinha.
Só há um horizonte, Loris, o do coração. Por isso a gente corre e está no mesmo lugar, a gente muda e está no mesmo lugar, por isso é tão sofrido ser a gente mesmo.
Eu sei, eu sei... já estou caindo na mesmisse. Mas eu queria reclamar de madrugada, pq as palavras não estão valendo. Não tenho coragem de olhar para dentro, para o outro horizonte, o da lua negra, o da bolsa amarela, e liberar as vontades. Eu vejo acontecer e não falo nada. E vem esse desejo caleidoscópico e essa raiva que eu guardo, Loris, a encher gavetas. É seguro e bom, e eu sei, mas é distante e displicente. Não sei se posso lidar com a displicencia quando estou longe, Loris. Não consigo deixar de lado. O sarcasmo, o pouco caso, o agora tem algo importante. Antes doía e eu chorava. E o sol veio só para dizer no meu ouvido: Conte a verdade!
O problema é que eu não queria que fosse verdade. Não é uma verdade justa ou honrada. E eu calei. Mas ela fica apertando os fechos desonrosa ou não e é como uma luzinha apagando, como se deixasse de importar, como se eu me convencesse de que eu mesmo não importo. Vejo ele parado, lá e tenho a sensação que a história sempre foi essa, que sempre fui eu que andei e alcancei. Agora eu quero parar e só olhar e não falar nada. Mas dói ver que ele não anda. Doí admitir que nunca ande, e só grite palavras bonitas de onde está. E elas são poucas, e eu oscilo, as vezes acho que pouco sou eu pedindo muito, as vezes não me importo. Mentira. Estou sempre chorando, por dentro. Desde aquela vez, a muito tempo, lembra? Aquela, que você veio de madrugada me abraçar e partiu com o sol do dia seguinte.
E quando eu andei, pareci maluca. Uma doida varrida, fugindo da vida de madrugada. Não era fuga, era soma, mas se não há entendimento, adianta ficar explicando??? Talvez tenha começado errado, e eu como sempre, não vi. Não me deixe duvidar de mim. Não me deixe trancar tudo, como pouca coisa e pouco caso.
Ah, Loris, Loris... A lua aí não é mais a mesma e saber isso também dói. Ou você levou a sua lua no bolso, em paz e no azul?
Me conta se eu sonhar. Preciso sonhar.

Comentários

  1. Resolvi entrar no seu blog e me deparei com uma postagem novinha em folha...

    Eu adoro as suas metáforas. O texto parece um conto de fadas, mas não das fadas dos contos, mas uma fada na fantasia de Darkover hehe

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    1. E esse é um elogio enorme, me emociona =) Obrigada, amigo querido.

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