Quando eu tinha uns 16 anos, um senhor que eu respeitava muito – pois sempre carreguei uma espécie de carência paterna dentro de mim, um buraco preenchido por estranhos, uma solidão inexplicável e cheia de apetites e por isso mesmo, indescritível – mas enfim, divago nas sensações e me perco na narrativa... Havia, então, um senhor que me era querido. E um dia, como quem não quer nada, acredito que para provar um ponto qualquer numa discussão com um grupo, ele anunciou:
- Eu consigo saber o que a pessoa pensa e o seu futuro só de ver a palma das mãos dela.
Não me lembro o que os outros fizeram, mas ficou gravado muito fundo em mim o que se passou a seguir. Ele olhou para mim e perguntou se poderia ver as minhas mãos. Abri, sem pestanejar e nem piscar, as duas palmas, muito abertas. Ele me olhou muito espantado. E disse: você não tem nenhum segredo! Nem um arrependimento! Nada a esconder... Eu perguntei por que dizia aquilo. Ele então explicou, que a maioria das pessoas, de fato, a maioria absoluta, não abria de todo a mão. Até reproduziu os gestos. Completou dizendo que jamais, alguém tinha feito como eu e aberto as duas mãos, sem nenhuma hesitação nem pudor, de maneira tão ampla.E saiu, com aquela espécie de orgulho carinhoso, que eu conseguia poucas vezes, mas me alimentava a alma em todas elas. Pobres de nós, sempre precisando despertar o orgulho e a admiração das pessoas.
Mas a verdade é que ele saiu e deixou uma pessoa muito pequena atrás de si. Por que, apesar de ser menina, eu conhecia muitas abominações de minha própria alma, possuía um ou dois pecados hediondos e inconfessáveis. E apesar de ser tão nova na época, alguns desses pecados não confesso a ninguém até hoje – algo que funciona como uma prova do seu grau de horror – ainda que agora eu seja muito menos dura comigo do que eu era antes. Estou aprendendo a me perdoar. O perdão mais difícil.
Talvez eu tivesse apenas menos medo. Ou, com a fome dos jovens por um futuro brilhante e luminoso, que afinal, o tal senhor não podia mesmo ver.
O brilho, a luminosidade e as promessas, que só poderiam ser vistas por uma espécie de filtro do momento presente. É por isso que muitas vezes eu me incomodo com a idéia de “fazer parte”.
Lembro-me em janeiro, quando um amigo muito querido pagou uma passagem de avião, para passar comigo algumas horas. Chegou e encontrou uma pessoa mais destruída do que eu tenho coragem de lembrar ou admitir, com dois telefonemas e muitos textos em espanhol – afinal ele agora é editor em Barcelona, devolveu uns livros que estavam no meio do caminho, antes que chegassem.
Disse que o fazia para resgatar um tiquinho de vida que havia em meus olhos. Que ele só conseguiu ver ao se despir da piedade e me dar uns gritos. No fim, a raiva te move, menina Alton, ele disse. E agradeça a ela, pois senão, o Ridenow de sua escolha, a mataria muito mais rápido.
Eu pude rir, pois ele conhece o meu mundo mais querido e mais próximo, e entrou nele sem que eu pedisse diretamente. Tenho medo de pedir por isso. Não mais por mim, ou por orgulho. Mas nem todos estão preparados, e quem sou eu para julgar? Já errei uma vez, não o farei mais. ( e digo que não tenho orgulho, pode, iubit?)
Temos um passado. Foi por isso que ele fez o que fez? Não acredito. O passado que temos, nem mesmo é real, habita o mundo das lembranças abstratas ou equivocadas. Se eu dissesse que uma parte dele é minha, seria uma espécie de avareza. A parte dele que foi minha, naquela tarde, foi uma cabeça enevoada por Jet lag, portunhol, telefonemas e olhares preocupados. O presente que tinha, e me deu. O seu dia. Agora, todo ele pertence a si mesmo, e aos que doa o seu presente e a sua vida todos os dias. Uma escolha permanente. Não faço parte dessa escolha e não lamento que seja assim. Não posso dizer que fez o que fez pelo verão, mais remoto ainda, em que fingimos amar.
Apenas não quero me definir como um frankstein, cheio de partes retiradas do passado. Não as carrego. O passado é enevoado como um sonho, nada dele é meu ou faz parte de mim. Não gosto de pensar que há alguém que carrega uma parte de mim. Tudo que é meu, o tenho agora, as lembranças serão sempre meio falsas.
Seria bonito pensar que a menina de 16 anos sabia isso que a mulher de trinta descobre novamente. Abriu a mão apesar de seus pecados. Pois ali, só tinha o presente, que agora sabe, é a única coisa que pode carregar.
E esse é o passo que estou dando agora, iubit. É parte do caminho de tornar minha prece mais real. O mesmo céu, iubit. Mas só você ouvirá.
Não somos um frankstein ehheeh, eu prefiro pensar que ainda conseguimos sentir mais abertamente os sentimentos tantos bons quanto ruins do que as demais pessoas. E o passado é aquele que não reconhece mesmo seu lugar, eu também nao quero carrega-lo, mas ele insiste em me puxar pelas pernas...
ResponderExcluirMaravilha isto aqui.
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